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NeuroBlog UFABC

Ocitocina: buscando as bases biológicas da confiança e do afeto

Atualizado: 16 de set. de 2021

Bianca Barboza Bertolotto, Giselle Correia Prospero Da Silva, Veronica Casagrande e Victoria Alves Porto


Revisão: Paula Ayako Tiba e João Ricardo Sato


Ocitocina: conhece essa molécula? Ela vai nos ajudar a entender onde mora o afeto! Será no cérebro ou no coração? E se o afeto morar em outra parte do corpo: talvez em um olhar, um abraço ou carinho? Vamos descobrir o que a ocitocina pode nos dizer sobre isso!


A molécula de ocitocina

Sua fórmula química é C43H66N12O12S2 (sim, mais de 40 núcleos de carbono e de 60 hidrogênios). Grande, não acha? Pode até parecer, mas esse hormônio é considerado uma pequena molécula, com seus nove ácidos aminados.

E maior ainda é a nomenclatura IUPAC para identificá-la: 1-({(4R, 7S, 10S, 13S, 16S, 19R)-19-amino-7-(2-amino-2-oxoethyl)-10-(3-amino-3-oxopropyl)-16-(4-hydroxybenzyl)-13-[(1S)-1-methypropyl]-6, 9, 12, 15, 18-pentaoxo-1, 2-dithia-5, 8, 11, 14, 17-pentaazacycloicosan-4-yl}carbonyl)-L-prolyl-L-leucylglycinamide.



Atração e confiança: a ocitocina afeta nossas percepções sociais?

Quem nunca teve uma paixão passageira no metrô, na feira de domingo ou na sala de espera do consultório médico?


A comunidade científica aceita amplamente que a ocitocina seja uma marcadora biológica do apego, o que foi evidenciado em estudos sobre relações estáveis, como de casais em relacionamentos sérios, puérperas e seus bebês, e até roedores monogâmicos. Será que essa indicadora do apego em relações afetuosas também implica em maior atração e confiança em nossa primeira impressão sobre desconhecidos? Em 2009, Theodoridou conduziu uma pesquisa com o objetivo de investigar o papel dessa molécula em nossas percepções sociais.

No experimento, participantes foram aleatoriamente divididos em dois grupos para receber uma dose única de ocitocina ou placebo e realizar algumas tarefas: a principal atividade era classificar 48 fotos do rosto de desconhecidos no quesito de atratividade em escala de 1 a 7 (não atraente a atraente), e depois classificar 30 rostos de acordo com a confiabilidade percebida também em escala de 1 a 7 (de muito indigno de confiança a muito confiável). Por fim, eram convidados a adivinhar se receberam ocitocina ou placebo, para medir uma possível influência de suas expectativas nas respostas.

Os resultados mostraram que aqueles que receberam ocitocina classificaram mais rostos como atrativos e confiáveis em comparação ao grupo placebo, sendo que os rostos foram mais bem avaliados como confiáveis do que atrativos no geral. Dos 96 participantes, apenas 37 adivinharam se tinham recebido ocitocina (25 destes) ou placebo (12). Utilizando métodos estatísticos, observou-se que essa expectativa não interferiu nas avaliações, bem como as variáveis de gênero, humor (declarado pelos participantes antes ou depois das tarefas de classificação) e até mesmo período menstrual no caso das mulheres. Essa complexa análise foi feita a fim de isolar a ocitocina como única responsável pela maior expressão do comportamento de atração e confiança nos participantes, comprovando essa hipótese com sucesso!



Molécula do amor?


Será que nossa “molécula do amor” age em dimensões afetivas das relações humanas não românticas, como a confiabilidade em geral?


Um estudo conduzido por Kosfeld em 2005 mostrou que a ocitocina afeta a disposição de um indivíduo para aceitar os riscos decorrentes de interações sociais com desconhecidos.

Dividiram-se voluntários em dois grupos, para receber uma dose de ocitocina ou apenas placebo. Foram realizados dois jogos com apostas monetárias: um de confiança e outro de risco. No jogo de confiança, dois participantes anônimos interagem, sendo um o “investidor” e o outro o “administrador” do negócio. Ambos começam com um valor, então o investidor decide se transfere uma quantia para o negócio com a promessa de receber os lucros, ou continua com o que tem. Já o administrador deve decidir se honra seu compromisso e devolve os lucros ou se descumpre o acordo e fica com todo o dinheiro. Resultado: o grupo que recebeu a ocitocina realizou transferências mais altas em relação ao grupo placebo, indicando maior confiança.

Já no jogo de risco, foi utilizada uma interface computacional como administrador, que decide aleatoriamente se repassa os lucros do investidor ou não. Neste jogo, sem a relação humana, não houve diferença de confiança entre os grupos. Assim, os cientistas concluíram que a ocitocina impacta no comportamento de confiança em interações sociais.

Outro estudo com jogo de confiança e risco foi promovido por Baumgartner em 2008 , mas em 12 rodadas de cada jogo e o investidor lidava com um administrador diferente a cada rodada do jogo de confiança. Após 6 rodadas de cada, os investidores recebiam um feedback sobre a frequência de sucesso do investimento no jogo de risco e com que frequência o administrador cumpriu o acordo, o que correspondia a 50% das rodadas.

Os resultados mostraram que aqueles que receberam placebo diminuíram o comportamento de confiança após o feedback, e aqueles que receberam ocitocina não mostraram mudança. No jogo de risco, não houve diferença de confiança após o feedback em nenhum dos grupos, contribuindo para a hipótese de que a ocitocina atua apenas em relações interpessoais.




Narrativas e acolhimento: é possível identificar biologicamente efeitos positivos da contação de histórias para crianças hospitalizadas?


Ler livros, ir ao teatro, compartilhar suas experiências. Contar histórias acompanha a humanidade das pinturas rupestres aos vídeos de 15 segundos! Quão importante será esse ato?


A hospitalização pode gerar desconfortos e traumas para crianças além da doença. Sabendo disso, o neurocientista Guilherme Brockington conduziu em 2021 um estudo para verificar se contar histórias a crianças hospitalizadas pode trazer efeitos fisiológicos e psicológicos positivos. Mas como medir uma experiência subjetiva?

A pesquisa foi pensada a partir do transporte de narrativa, que é a capacidade de uma história nos envolver - o que se traduz no processamento das experiências no cérebro! Ao contar histórias, isso se potencializa pelo afeto entre quem conta e a criança que acompanha.

Um grupo experiente de contadores propôs uma dinâmica a crianças em UTI: algumas ouviram histórias e outras participaram de um jogo de adivinhas. Os resultados associaram as duas intervenções de interação ao aumento dos níveis de ocitocina e queda do cortisol em crianças hospitalizadas, conforme os conhecidos papéis da ocitocina em relações afetivas e do cortisol como marcador biológico do estresse. Mas a diferença no grupo de narrativas foi significativamente maior!

As crianças que ouviram histórias tiveram aumento dos níveis de ocitocina duas vezes maior e declínio na sensação de dor e nos índices de cortisol duas vezes maior que o grupo das adivinhas. A interpretação dessas medidas foi reafirmada psicologicamente: ao descrever o que é “enfermeira”, “doutor” e “hospital”, o grupo de narrativas apresentou emoções mais positivas, indicando uma relação melhor com o ambiente hospitalar após as histórias, o que não aconteceu com as crianças do outro grupo apesar da vivência agradável com as adivinhas e da melhora nas variáveis fisiológicas.



Assim, contar histórias para crianças internadas pode ser uma intervenção promissora para melhorar sua saúde psicológica e reduzir seu sofrimento. Apesar das evidências científicas só comprovarem esse efeito em hospitais, que tal também incentivar as narrativas na primeira infância? Conte histórias para as crianças que você conhece e aproveite!


Como interpretar as relações entre a química da ocitocina e a experiência do amor de modo responsável?


Se você já sofreu uma decepção amorosa, é possível que tenha desejado ser um pouco mais racional. Ou que, diante de uma escolha difícil, tenha tentado seguir seu coração e se deixar guiar pelos sentimentos. Muitas vezes acreditamos em uma falsa oposição entre razão e emoção, mas ambas se relacionam biologica e culturalmente de modo mais complexo do que pode parecer.

Quer um exemplo? Agora mesmo, enquanto você lê esse texto, diversas regiões cerebrais responsáveis por diferentes funções são ativadas para realizar essa leitura e, quem sabe, aprender algo novo, além de manter os incontáveis processos contínuos fundamentais para a vida. Ao mesmo tempo em que tenta entender logicamente, você pode se interessar e motivar para saber mais, ou achar enfadonho e lembrar daquele chocolate guardado no armário da cozinha. E tudo isso é orquestrado no sistema nervoso central, do aprendizado aos nossos humores.

Nesse complexo sistema, atuam várias substâncias em conjunto, mas às vezes podemos identificar determinadas moléculas que estejam mais ou menos associadas ao desempenho padrão de uma função ou outra. É o caso, por exemplo, da serotonina que pode estar abaixo do nível normal em pessoas sofrendo de depressão ou da dopamina que lidera o que os cientistas chamam de “vias do prazer” no cérebro.

Mas é claro que, para uma substância ser promovida a marcadora biológica de emoções ou sensações que reconhecemos de modo subjetivo (aliás, a neurociência tem sua própria definição do que sejam as emoções), é necessário encontrar evidências sólidas de seu papel na regulação emocional e compreender nossos limites para agir a respeito.

A ocitocina é um hormônio neurotransmissor, considerado nossa molécula do afeto. Contudo, também está presente em outros processos relacionados à afetividade ou até avessos a ela. Por isso, é bom lembrar que a ocitocina não é uma poção mágica do amor!


Buscando as bases biológicas da confiança

Se existisse uma poção mágica para a confiança, você não viveria desconfiado de quem confia?


Por sorte ou azar, as coisas são um pouco mais complexas do que isso. A confiança pode ser abordada como aspecto cultural, um fator social, mas muitos cientistas já se interessaram também em entendê-la bioquimicamente. Afinal, animais não-humanos também confiam e desconfiam mesmo sem nosso desenvolvimento da consciência! Seria a confiança evolutivamente importante?

A vida em grupo é fundamental para nós, humanos, bem como para demais mamíferos e outros animais. Assim, foi permitido um maior período de maturação em nossa história de vida, com infâncias prolongadas e ideais para o aprendizado e preparo para os desafios da vida adulta. Bebês já sabem reconhecer figuras familiares e estranhas, e o comportamento de confiança passa a ser esboçado desde esse momento. Cientistas descobriram que a ocitocina, que é identificada marcadora biológica do afeto, do apego e confiança, é especialmente liberada durante o parto e como efeito da sucção do leite materno, influenciando também no vínculo da mãe em relação aos bebês! Outro momento em que sua liberação acentuada é no orgasmo, o que pode colaborar com a manutenção do comportamento monogâmico, como já foi evidenciado em outras espécies.

A confiança é indispensável nas sociedades humanas e existem evidências de que ela esteja presente não só nas relações afetivas mas também em outras interações interpessoais, contribuindo para o sucesso econômico, político e social. Por outro lado, a falta de confiança pode fazer com que transações de mercado sejam interrompidas, instituições e líderes percam a legitimidade. Mas será que a ocitocina também tem alguma coisa a ver com tudo isso?


As bases biológicas das emoções


Conhecer uma base biológica para nossas emoções, reconhecendo que o entendimento científico ainda é insuficiente mas muito promissor, é poder traçar novos caminhos para a ciência e para o afeto!

A ocitocina é uma substância química produzida e liberada pelas células cerebrais, os neurônios, principalmente em uma região chamada hipófise superior. Esse tipo de molécula dificilmente consegue atravessar a barreira hematoencefálica, que protege o cérebro de substâncias indesejáveis presentes no sangue. Por isso, ingerir moléculas de ocitocina na alimentação ou receber pelo sangue não poderia ter grandes efeitos no cérebro. Mas, nos últimos 15 anos, foram realizados vários estudos a partir de sua aplicação via intranasal, pois as regiões olfativas e respiratórias podem levá-la rapidamente ao sistema nervoso central!

Assim, a noção de que a ocitocina é responsável por emoções ligadas aos vínculos afetivos tem sido estudada mais profundamente com administração de ocitocina exógena (isto é, de origem externa ao corpo), buscando saber mais sobre efeitos que sejam diretamente relacionados a ela. É o caso, por exemplo, dos experimentos realizados por Kosfeld em 2005 e por Baumgartner em 2008: ambos aplicaram a ocitocina em voluntários e observaram o aumento do seu nível de confiança e disposição a tomar riscos sociais em interações interpessoais!

Esse tipo de estudo evidencia cada vez mais o papel desse hormônio no afeto. Com isso, a ciência também pode avançar nesse campo, e inclusive lançar novos paradigmas sobre o modo como lidamos e respeitamos nossas emoções. Com base nesses indícios, o pesquisador Guilherme Brockington conseguiu medir os efeitos positivos da contação de histórias no bem-estar de crianças hospitalizadas pelo seu nível de ocitocina, e ainda comprovou essa correlação com análises psicológicas.

Portanto, é muito importante reconhecer que até a subjetividade das nossas emoções é real, mesmo quando não é concreta. E talvez seja um pouco mais concreta do que parece.



Este é um trabalho realizado por estudantes do Bacharelado em Ciência e Tecnologia para fins de avaliação da disciplina de Pesquisa e Comunicação Científica, do curso Bacharelado em Neurociência, ministrada pelos professores Dra. Paula Ayako Tiba e Dr. João Ricardo Sato na Universidade Federal do ABC.


Referências


BAUMGARTNER et al. Oxytocin Shapes the Neural Circuitry of Trust and Trust Adaptation in Humans. Neuron, 58, 4, 639-650, 2008.


BROCKINGTON et al. Storytelling increases oxytocin and positive emotions and decreases cortisol and pain in hospitalized children. PNAS, 118, 22, 2021.


COSTA, Ana C. S.. Administração Intranasal para Doenças do Cérebro. Monografia (Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas). Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra. P. 39. 2014.


KOSFELD et al. Oxytocin increases trust in humans. Nature, 435, 673–676, 2005.


THEODORIDOU et al. Oxytocin and social perception: Oxytocin increases perceived facial trustworthiness and attractiveness. Horm. Behav., 56, 1, 128-132, 2009.


*Texto escrito pelos alunos vinculados ao Bacharelado em Neurociência da UFABC.

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O CAN é uma entidade estudantil vinculada ao Bacharelado de Neurociências da Universidade Federal do ABC.

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