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NeuroBlog UFABC

Como a experiência de jogar Pokémon pode ter interferido na organização do seu cérebro?

Atualizado: 16 de set. de 2021

Catarina Garcia Shelkovsky, Giovanna Regazolli Almeida Testi, Lavinia Mitiko Takarabe e Melissa Junqueira De Barros Lins


Revisão: Paula Ayako Tiba e João Ricardo Sato


A habilidade dos seres humanos de reconhecer rapidamente estímulos visuais - sejam esses faces, objetos, animais, lugares e até mesmo Pokémons - nas mais diversas condições, ou seja, variando ângulos, posições e até mesmo algumas características gera curiosidade de cientistas do mundo todo. Essa curiosidade se dá principalmente porque a organização de uma região cerebral denominada córtex visual, que é responsável por processar o que vemos, apresenta regiões especializadas em reconhecer determinadas categorias de estímulos, podendo ser específica para identificar faces animais, ou palavras, por exemplo.

Para desvendar o porquê dessa organização acontecer dessa forma específica, foram realizados estudos para identificar em qual região cerebral existem neurônios que disparam mais quando são apresentados determinados estímulos como, por exemplo, animais ou lugares. Pensando nisso, pesquisadores da Harvard Medical School ao desenvolverem estudos com macacos descobriram que para que se desenvolvessem no córtex visual regiões dedicadas a uma nova categoria de estímulos a exposição deveria se dar durante a infância, quando o cérebro é mais maleável e sensível à experiência visual, por conta da plasticidade cerebral. Em humanos, de maneira análoga, a infância é conhecida como período crítico, já que é o momento em que há uma maior plasticidade cerebral, que é baseada na experiência de cada um. Vale ressaltar que a exposição por si só não é suficiente para que seja desenvolvida uma nova categoria de objetos, é necessário um contato constante com o estímulo em questão.

Assim, para realizar um estudo similar ao de Harvard em humanos com o objetivo de analisar essa organização cerebral seriam necessários anos. Isso porque, as crianças deveriam ser expostas a uma determinada categoria de estímulos visuais em que elas mantivessem sua atenção por tempo o suficiente para aprender uma nova categoria e ainda testá-las quando adultas para verificar as regiões responsáveis pelo processamento desses estímulos. Uma opção alternativa para realizar estes estudos seria encontrar um grupo de pessoas expostas a uma determinada categoria de estímulos visuais durante a infância. Um grupo de pesquisadores da Stanford Medical School optou por seguir por essa segunda via, contando com a ajuda do jogo Pokémon Red & Blue que foi uma febre nos anos 90.

Neste jogo, a criança inicia sua jornada como um treinador Pokémon controlando o protagonista de uma perspectiva aérea e navegando por uma região fictícia com uma missão principal: dominar a batalha. O nome Pokémon é a junção das palavras "pocket" e "monster" do inglês, sendo assim os "monstros de bolso". Os Pokémons são pequenos personagens pixelados com traços bem marcados e animalescos que os tornam únicos e diferentes dos objetos que temos contato no dia a dia. Através da captura, treinamento e evolução das criaturas pixeladas que cruzam o caminho do treinador, o jogador atinge as vitórias nos combates com outros mestres Pokémons e vai, consequentemente, chegando mais perto de seu objetivo fundamental. Apesar da grande atração para as crianças, muitos mestres Pokémon continuaram a jogar mesmo quando adultos, o que tornava as criaturas Pokémon a categoria de estímulos perfeita para o desenvolvimento de um estudo para tentar resolver esse mistério neurocientífico. E como a exposição na primeira infância é crítica para o desenvolvimento de regiões cerebrais dedicadas a estes estímulos, então o cérebro de adultos que jogaram Pokémon quando crianças deveria reconhecer melhor essas criaturas do que a outros estímulos.


Fig. 1 - Criatura Pokémon pixelada representando a arte do jogo Pokémon Red & Blue. Fonte: Pixabay.

As características lineares marcadas das criaturas pixeladas, o tamanho, a animalização e a visão central, determinam no córtex visual humano um gradiente, tornando possível fazer predições sobre onde a região "Pokémon" deveria aparecer.

Para essa investigação foram contatados 11 mestres Pokémon considerados especialistas que começaram a jogar por volta dos 5 anos e continuaram até se tornarem adultos. Em outro grupo foram reunidas 11 pessoas com idades semelhantes que começaram a ter contato com o jogo quando já eram adultas, isto é, eram consideradas novatas. Para poder verificar se a experiência de jogar Pokémon na infância poderia levar a uma nova representação no cérebro, os pesquisadores utilizaram imagens de ressonância magnética funcional. Com esse procedimento, é possível identificar em quais regiões do cérebro existem neurônios que se ativam mais para cada tipo de estímulo visual, incluindo os Pokémons.

Aplicando estas técnicas de imageamento, os pesquisadores descobriram que uma região mais lateral do cérebro, chamada lobo temporal, apresentava uma maior atividade quando especialistas no jogo viam um Pokémon do que quando viam animais, cartoons ou palavras. Por outro lado, no grupo de novatos essa mesma região cerebral não apresentava um aumento de atividade para as criaturas pixeladas, sendo mais ativada por palavras e animais.

Os resultados desse trabalho vão muito além da aventura Pokémon, eles sugerem que a forma como as crianças veem o mundo interfere na maneira como o córtex visual se organiza. Isto é, os indivíduos que tiveram a experiência de identificar Pokémons ao longo da vida, desenvolveram uma nova forma de representação dessas informações no cérebro. Estes resultados demonstram uma forte correlação entre a experiência e a especialização de regiões cerebrais no reconhecimento de estímulos visuais dada pela plasticidade do córtex visual. Essa descoberta pode ter implicações nas investigações das origens de disfunções sociais como o autismo e de aprendizado como a dislexia. Além de fornecer pistas para o estudo de condições raras como a cegueira facial.


Referências


Artigo base:

Gomez, J., Barnett, M., & Grill-Spector, K. (2019). Extensive childhood experience with Pokémon suggests eccentricity drives organization of visual cortex. Nature human behaviour, 3(6), 611-624.


Artigos complementares:

Beeck, H. P. O., Pillet, I., & Ritchie, J. B. (2019). Factors determining where categoryselective areas emerge in visual cortex. Trends in cognitive sciences, 23(9), 784-797. Gomez, J (2019). Gotta recognize ‘em all! Using Pokémon to understand brain development. The Science Breaker. Retrieved July 27, 2021 from https://doi.org/10.25250/thescbr.brk284


Priebe, N. J., & McGee, A. W. (2014). Mouse vision as a gateway for understanding how experience shapes neural circuits. Frontiers in Neural Circuits, 8, 123.


Quiroga, R. Q., Reddy, L., Kreiman, G., Koch, C., & Fried, I. (2005). Invariant visual representation by single neurons in the human brain. Nature, 435(7045), 1102-1107. Stanford University. (2019). A brain region for Pokémon characters?. ScienceDaily. Retrieved July 27, 2021 from www.sciencedaily.com/releases/2019/05/190506163644.htm


*Texto escrito pelos alunos vinculados ao Bacharelado em Neurociência da UFABC.

 
 
 

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O CAN é uma entidade estudantil vinculada ao Bacharelado de Neurociências da Universidade Federal do ABC.

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